Quando o Futebol Explica o Mundo


O esporte mais popular do mundo não se trata apenas de 22 cuecas sujas correndo em campo, ele é, sem dúvidas, reflexo da sociedade em que vivemos.

2004: O Brasil foi ao Haiti para uma partida, essa que não teve nada a ver com a preparação para a Copa da Alemanha, mas sim, para fins políticos.
Na chegada, a Seleção desfilava pelas ruas do Haiti em tanques de guerra, enquanto a multidão a aclamava.

A partir do primeiro apito do árbitro, a torcida haitiana era ensurdecedora, e foi assim, vidrados e vibrantes que viram sua seleção tomar 4 gols. O motivo da festa não era apenas ver a Seleção Brasileira, a melhor do mundo, jogar, mas sim ver iniciativas para acabar com a guerra no país, ter sua alma lavada.

Durante toda a partida, quem brilhara nas telas das TVs de todo o mundo, não era Ronaldinho Gaúcho, mas sim as autoridades da ONU – com direito a replay e tudo mais.

Pois, queridos leitores, você um dia pensou que 22 jogadores "lutando" para chutar uma bola no gol adversário dentro de 4 linhas resume o mundo? Em termos, sim resume.

Mas por que não o cinema, o teatro, a literatura? "A arte sempre será produto da imaginação de uma pessoa. O futebol é a arte da comunidade, da economia, da estrutura política. É um microcosmo singular", diz Franklin Foer, que publicou em 2004 seu livro, How Soccer Explains the Word ("Como o Futebol Explica o Mundo"). Mas não é sobre seu livro que iremos falar, mas sim sobre a influência do futebol na sociedade e/ou vice-versa.

No fantástico livro de Foer, ele mostra um exemplo incontestável.

Porque é que Roy Keane, sendo Irlandês, sempre sonhou em jogar no Celtic de Glasgow? Basicamente, porque os católicos (Celtic) de Glasgow defendem intransigentemente a República, em detrimento da monarquia Inglesa, logo, conquistaram muitos fervorosos adeptos na República da Irlanda, um deles o Roy Keane.

Para não misturar tudo, irei dividir as coisas.


A Reforma Protestante

Quando Glasgow Rangers e Celtic se enfrentam, lá na calorosa Escócia, não estão apenas compartilhando um momento de rivalidade sadia e esportiva, na verdade essa rivalidade não existe, eles estão continuando uma rivalidade que começou antes mesmo do futebol existir.

Para ser mais exato, no século 16. Quando a Reforma Protestante varreu o país matando católicos, e os que conseguiram sobreviver dedicaram o tempo que lhes restara alimentando sua fidelidade ao papa, o sonho da independência, e no futuro, o amor ao Celtic.

Na outra ponta da cidade, protestantes juntaram forças à monarquia inglesa fundando o Rangers, que por sinal, nenhum católico podia entrar, até 1989 – quando vovó já usava dentadura.

Se você pensa que Brasil e Argentina é o maior clássico de rivalidade mundial, fala isso por que nunca viu o ódio mortal quando se enfrentam Rangers e Celtic, meu amigo. Os intelectuais – sim, aqueles que nem ousam tocar numa bola de futebol e passam madrugadas no pc, como você, mas eles são altamente instruídos – afirmam que a civilização aplaca a barbárie e dissemina a tolerância.

Glasgow é uma cidade culturalmente criativa, politicamente liberal e muito rica. Mas isso não impede que grandes figuras locais vão até o estádio cantando hinos como “estamos mergulhados até o joelho em seu sangue”.


Paciência...
Até essa altura do post se você parar de ler vai perder muita confusão que ainda vem pela frente.


A Guerra Iugoslava

Partimos agora para a Iugoslávia. Era jogo entre Dínamo Zagreb e Estrela Vermelha, em 1990, e quando o juiz apitou o início da partida começou a sangrenta guerra. Naquele dia foi sepultada a união de repúblicas que formavam a Iugoslávia. (risada macabra)

O anfitrião era o Dínamo da cidade de Zagred, da separatista Croácia, e o visitante era Estrela Vermelha, de Belgrado, na Sérvia, a capital iugoslava.

Os torcedores, no entanto, estavam lá para protestar, o futebol era um mínimo detalhe, e o estádio se transformou num caldeirão nacionalista. Quando a briga começou foi preciso um helicóptero para resgatar do campo os jogadores do Estrela Vermelha. Os fiéis torcedores do Dínamo haviam estocado pedras para o ataque, as grades que separavam as torcidas desapareceram rapidamente - foram dissolvidas com ácido, é mole?!

Mas os sérvios não recuaram, era o primeiro confronto étnico em 50 anos vivido na Iugoslávia. E claro, para quem defendia um confronto armado, aquilo bastava para iniciar o combate.

Era o início de um casamento duradouro, Futebol e Guerra viveriam juntos desde então.
No meio desse casamento estava o Estrela Vermelha. Um sujeito conhecido como Arkan era o chefe das torcidas organizadas, e mais tarde seria apontado como um dos maiores criminosos de guerra da Iugoslávia. Arkan recrutava os mais violentos torcedores para atuar como paramilitares na Bósnia, entre as formas de "pagamento", ele oferecia visitas de jogadores do Estrela Vermelha aos combatentes feridos. Também estima-se que esses torcedores/soldados tenham matado cerca de 2 mil pessoas, a maioria civis, e grande parte deles com requintes de crueldade.


Hooligans e a Globalização

Os mais antigos lembram-se do Chelsea como o clube da torcida mais violenta do mundo. Essa torcida já era considerada os hooligans dos hooligans. Para as gerações atuais, o Chelsea é um clube bem moderninho, ousado, o primeiro no campeonato inglês a escalar 11 gringos, e também o primeiro a ter como dono um russo magnata do petróleo. Franklin Foer diz, "mais que qualquer outro clube no mundo o Chelsea foi transformado pela globalização”.

Mas qual o problema?
O problema é que os antigos hooligans – aqueles, tatuados, bêbados e brigões – estão totalmente perdidos nessa “nova era”.

É claro que estão felizes por ver seu time disputando as canecas, mas eles vivem de recordações, vivem protestando com saudades dos “bons e velhos tempos” - “Sou feliz, por isso estou aqui. Também quero viajar nesse balão”.

Mas por incrível que pareça, eles não fazem seus protestos brigando – acho que perderam o jeito – e sim no melhor estilo da economia de mercado. Ao redor do estádio criaram uma indústria de relíquias dos dias “em que o futebol inglês era jogado por ingleses, os torcedores eram iguais e os ingressos eram baratos”, malditos russos hahaha.

Vale lembrar a eles que o Chelsea naquele tempo era um timeco da segunda divisão, e falido? Oh dúvida cruel...


Comentem, se gostarem desse post ainda farei a segunda edição.



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